A pre-habilitação constitui um programa multifatorial de condicionamento da saúde no período de preparação para a cirurgia, o chamado pré-operatório. Ela promove melhora na capacidade funcional e na evolução pós-operatória e é fundamental no preparo dos pacientes em programação de cirurgias de grande porte, sobretudo para os pacientes portadores de câncer e aqueles mais idosos.
Cirurgias maiores produzem uma resposta de inflamação em todo o organismo de forma intensa que causa várias alterações no nosso corpo: perda da musculatura (massa muscular magra), desequilíbrio do organismo como um todo e diminuição da capacidade respiratória (funcionamento dos pulmões). Os pacientes que já apresentam uma reserva diminuída da capacidade respiratória podem não conseguir suprir o aumento da necessidade de oxigênio causada pela inflamação após a cirurgia.
Uma vez com a condição física melhorada, a pessoa suporta melhor a cirurgia e a inflamação, tendo uma recuperação mais rápida. Diminui-se o tempo de internação, eventuais complicações, entre outras vantagens. Estudos já demonstraram que o condicionamento cardiorrespiratório pré-operatório, ou seja, a melhora da condição física e da capacidade funcional, tem sido associado com boa evolução pós-operatória após cirurgias abdominais maiores.
As condições clínicas dos pacientes devem ser melhoradas o máximo possível com o objetivo de prepará-los para o procedimento. Deve contemplar: preparo nutricional, preparo físico/fisioterápico, preparo psicológico e otimização da saúde, onde entra a interrupção de comportamentos negativos para a saúde. A melhora ou recuperação da massa magra perdida por causa da doença, chamada sarcopenia é sabidamente um fator de grande importância na diminuição de complicações no pós-operatório.
A duração ideal para o programa de pré-habilitação deve ser determinada pelas condições clínicas do paciente, as correções ou ajustes necessários e por período que o paciente possa aderir e cumprir as etapas ou esperar pela cirurgia. O programa dura entre quatro a oito semanas parece ser eficiente. Pacientes que esperavam a cirurgia para câncer, cinco semanas de exercício pré-operatório foi suficiente para registrar melhora significativa do preparo cardiorrespiratório e da força muscular. As limitações ao exercício e ao treinamento devido à dor podem prolongar o tempo necessário para o aumento da resistência física. Em pacientes com câncer, existe maior limitação para a realização de programas de pré-habilitação mais extensos, porém quatro a seis semanas de pré-habilitação pode ser um período adequado para aumentar a reserva fisiológica.
PREPARO NUTRICIONAL
De uma forma geral, os pacientes oncológicos apresentam algum grau de desnutrição, frequentemente já moderado ou grave. Além disso, todos apresentam “risco nutricional” por definição, por estarem sendo encaminhados para um procedimento complexo, com possíveis múltiplas ressecções digestivas, lenta readaptação alimentar pós-operatória e internação mais longa. Portanto, o rastreamento do estado nutricional deve ser realizado em todos os pacientes que irão ser submetidos à cirurgias abdominais de grande porte.
Além do suporte nutricional específico, prescrito pelo nutrólogo, é utilizado rotineiramente o preparo com suplemento rico em proteínas com dietas especiais por via oral.
Pacientes com desnutrição importante podem receber preparo nutricional através de sondas (dieta enteral) ou mesmo através da veia (dieta parenteral) em regime de internação hospitalar nos casos mais graves. O preparo nutricional deve durar de 7 a 14 dias antes do procedimento cirúrgico, para ser eficiente.
PREPARO FÍSICO/FISIOTERÁPICO
A avaliação do condicionamento cardiorrespiratório é fundamental para determinar a indicação de pré-habilitação em pacientes que irão se submeter à cirurgias abdominais maiores. A reserva cardiorrespiratória pode ser medida usando testes que auxiliam na seleção adequada dos pacientes que terão benefício com o programa de pré-habilitação respiratória.
É realizado um preparo fisioterápico ventilatório específico no pré-operatório, iniciado idealmente 2 a 4 semanas antes do procedimento. O objetivo é o desenvolvimento da musculatura que ajuda na respiração, que é exigida durante os primeiros dias pós- cirurgia. Outro benefício secundário é o treinamento do paciente para os exercícios fisioterápicos que serão realizados na UTI e na enfermaria, sendo maior o aproveitamento dessa assistência.
Os pacientes também são incentivados à prática de treinamento aeróbico, de resistência, de fortalecimento muscular (musculação), de flexibilidade e de equilíbrio. De forma geral, o ideal são 150 minutos por semana que devem ser divididos em sessões de 30 a 40 minutos, duas a três vezes na semana, com nível de intensidade moderado, a depender da condição do paciente. O exercício pode ser caminhar, andar de bicicleta, nadar, dependendo da disponibilidade e preferência do paciente. Além de exercícios aeróbicos, exercícios de fortalecimento muscular devem ser realizados ao menos duas vezes na semana, focando o fortalecimento de todos os grupos musculares solicitados na vida diária.
SUPORTE PSICOLÓGICO
Cirurgias maiores promovem estresse físico e mental para os pacientes e, portanto, a avaliação psicológica é de grande importância. O objetivo é determinar os pacientes que irão se beneficiar da pré-habilitação psicológica. Estressores psicológicos, tais como o diagnóstico, a cirurgia, anestesia, dor, necessidade de colostomias, chances de cura e recuperação, todos são motivo de preocupação e ansiedade que podem afetar a recuperação após a cirurgia por vários mecanismos. Um bom suporte psicológico no pré e pós-operatório ajuda muito o paciente lidar com seus medos e receios, facilitando a passagem por todos as etapas do procedimento. O objetivo primário do componente psicológico é ampliar e reforçar a motivação dos pacientes no compromisso com os aspectos nutricionais e de exercício físico do programa. Intervenções, tais como técnicas de relaxamento (respiração profunda, relaxamento muscular progressivo, meditação) têm mostrado um efeito positivo
OTIMIZAÇÃO DA SAÚDE
A avaliação clínica completa pré-operatória busca a otimização das comorbidades e fatores de risco, tais como tabagismo, anemia, diabetes mellitus e outras comorbidades, que podem ser identificadas e controladas.
- Anemia: é definida pela concentração de hemoglobina ao nível do mar inferior a 13g/dl em homens e 12g/dl em mulheres. Anemia pré-operatória está associada ao aumento das complicações pós-operatórias e está diretamente relacionada à transfusão de sangue em cirurgias grandes onde pode haver perda de sangue importante. A transfusão sanguínea, por sua vez, tem impacto negativo nos índices de cura de pacientes com alguns tipos de câncer. A anemia pré-operatória deve ser tratada com ferro oral ou intravenoso. O objetivo deve ser o de alcançar níveis de hemoglobina acima de 13g/dl.
- Controle glicêmico: a hemoglobina glicada pré-operatória em níveis elevados indica controle glicêmico inadequado e aumentam o risco de complicações pré-operatórias. O programa de pré-habilitação deve abordar as alterações glicêmicas, mesmo que isto signifique postergar a cirurgia, uma vez que o controle glicêmico pré-operatório está associado à redução das complicações infecciosas.
- Tabagismo: é um fator de risco conhecido para complicações pós-operatórias e, portanto, deve ser interrompido por um período maior do que quatro semanas antes da cirurgia para reduzir complicações pós-operatórias. O programa para interrupção de tabagismo deve incluir aconselhamento e medicações necessárias.
Equipes especializadas em procedimentos complexos de grande porte costumam indicar a habilitação pre-operatória, uma vez que conhecem seus benefícios e impacto na evolução pós-operatória. A indicação das intervenções necessárias e a duração devem ser individualizadas de acordo com as condições iniciais do paciente e a cirurgia proposta. Tire as dúvidas com seu cirurgião!

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