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Cirurgia da Carcinomatose Citorredução e HIPEC


O quadro de carcinomatose peritoneal atualmente é mais apropriadamente denominado metástases peritoneais, devido ao significado pejorativo que o termo carcinomatose possui de doença intratável. Esta condição, apesar de não representar uma disseminação sistêmica da doença, ou seja, por todo o corpo, está associada a um prognóstico e sobrevida muito limitados, por se tratar de um estágio avançado da doença que sem tratamento condiciona uma sobrevida média de cerca de seis meses apenas para os pacientes. Até pouco tempo atrás, os pacientes portadores de metástases peritoneais eram tratados somente com quimioterapia por via venosa com intuito paliativo na maioria das vezes, ou seja, sem perspectivas de cura. Dessa forma, oferecia-se um controle muito limitado da doença e os pacientes seguiam com sobrevida ainda muito limitada. Com os novos quimioterápicos existentes atualmente, o tratamento proporciona resultados ligeiramente superiores, no entanto a resposta obtida com esta abordagem continua a não ser satisfatória, o que tem levado a uma crescente investigação de tratamentos inovadores e mais agressivos. Desse modo surgiu a o conceito da CIRURGIA DE CITORREDUÇÃO ou CITORREDUTORA associada à Quimioterapia Intraperitoneal Hipertérmica, conhecida do inglês como HIPEC (Hyperthermic Intraperitoneal Chemotherapy), Esta modalidade de tratamento combinado representa um grande avanço no tratamento dos pacientes acometidos por tumores com disseminação para o peritônio. Nas últimas duas décadas, houve uma grande quantidade de estudos científicos sobre a carcinomatose, envolvendo tratamentos multimodais na tentativa de curar o paciente que padece desta patologia. Assim, a cirurgia passou a figurar como opção de tratamento para algumas neoplasias específicas que acometem o peritônio, a chamada CIRURGIA CITORREDUTORA. O procedimento pode beneficiar uma parte dos pacientes que se encaixam em uma seleção rigorosa que envolve uma série de critérios que vão das condições clínicas dos pacientes até as questões relacionadas à doença propriamente dita. “Cito” significa célula, assim, cirurgia citorredutora é aquela na qual o cirurgião retira os focos de células tumorais que estão espalhados pela superfície dos órgãos, ou seja, faz uma redução da quantidade de doença visível no momento da cirurgia. Algumas vezes, quando os nódulos são múltiplos e confluentes, para que se consiga uma remoção total é preciso retirar o peritônio da região acometida (peritoniectomia). Assim, a peritoniectomia de regiões do abdome (peritoniectomias setoriais) consiste em uma das etapas mais especializadas do procedimento de citorredução. Esta forma de tratamento só deve ser indicada para os pacientes que apresentam doença espalhada no peritônio onde há a possibilidade de se fazer uma citorredução completa, ou seja, remoção de toda a doença macroscópica ou visível no abdome. Os paciente só se beneficia da cirurgia citorredutora através da cura ou aumento da sobrevida se for possível a citorredução completa, caso contrário, o benefício não é significativo e causa pouco impacto na evolução da doença. Entendemos que a metástases peritoneais consistem em doença confinada ao peritônio que não se espalhou para o organismo, por isso, um importante critério de seleção para a cirurgia é a ausência de doença metastática em outros locais que não o peritônio, como orgãos (fígado, pulmão, cérebro). Esse seria o cenário de doença locorregional, portanto, é plausível a indicação de um tratamento locorregional: cirurgia citorredutora com quimioterapia intraperitoneal. Se há metástases em outros locais, estas devem ser passíveis de tratamento por cirurgia não havendo ao final doença residual no organismo Realizada a cirurgia de citorredução completa com remoção de toda a doença macroscópica (visível), é grande a probabilidade de doença residual a nível microscópico, ou seja, não visível a olho a nu - células tumorais na cavidade ou nos tecidos. Dessa forma, algumas neoplasias malignas específicas possuem indicação de se complementar o tratamento do peritônio com a HIPEC, com o objetivo de eliminar a doença microscópica residual, diminuindo as chances de recorrência da doença no peritônio. Este procedimento consiste na irrigação da cavidade abdominal com uma solução contendo quimioterápicos, aquecida a 42ºC, que vai circular pela cavidade abdominal através de um circuito com uma bomba. A solução entra em contato com a superfície do peritônio que restou de todas as vísceras e parede abdominal. O tempo necessário varia de 30 a 90 minutos, dependendo do medicamento utilizado em cada caso. Com a HIPEC são conseguidas concentrações muito superiores de quimioterápico na superfície peritoneal que quando administrado por via venosa, além de diminuir de forma relevante os efeitos tóxicos sistêmicos associados ao uso das drogas pela via tradicional. Através do aumento da temperatura consegue-se uma alteração da permeabilidade na membrana celular das células cancerígenas que irá permitir uma maior penetração e concentração no interior das células tumorais, tornando-as mais sensíveis à droga. A importância da associação destas duas técnicas baseia-se na complementaridade das suas ações. Em resumo, a cirurgia é feita inicialmente de modo a remover os implantes peritoneais malignos macroscópicos, e seguidamente, no mesmo tempo cirúrgico, é administrada a HIPEC para remover a doença microscópica remanescente, removendo assim totalmente a doença num único procedimento. Atualmente, essa modalidade de tratamento tem proporcionado a melhores taxas de controle e sobrevida através de evidências científicas para alguns tipos específicos de tumores como tumores mucinosos do apêndice cecal que evoluem com o quadro de Pseudomixoma Peritoneal, além do Mesotelioma Peritoneal e do Câncer de Ovário.




Desenho esquemático ilustrando o sistema de perfusão peritoneal da HIPEC que aquece o quimioterápico e envia através de tubos para a cavidade abdominal do paciente. Dois termômetros medem a temperatura constantemente dentro da cavidade.



Figura 01: paciente recebendo perfusão intra-abdominal com quimioterápico através de drenos abdominais após ter sido realizada a cirurgia de citorredução e remoçãoo de todo tumor visível na cavidade abdominal. Figura 2: detalhe para a temperatura no sensor que faz a medição dentro da cavidade, devendo ser mantida por volta de 42 graus.




Vídeo: aplicação da quimioterapia intraperitoneal através de aparelho de perfusão que aquece a medicação e a bombeia para a cavidade. Paciente foi submetido(a) a retirada completa dos tumores abdominais para depois receber a medicação.


Atualmente, essa modalidade de tratamento é formalmente indicada para alguns tipos de tumores malignos, são eles: tumores mucinosos do apêndice cecal, pseudomixoma peritoneal e mesotelioma peritoneal. Em 2017, o Conselho Federal de Medicina (CFM) emitiu parecer reconhecendo a cirurgia de citorredução + quimioterapia intraperitoneal hipertérmica (HIPEC) como tratamento de eleição para o tratamento das metástases peritoneais por esses tumores (acesse o link para a resolução). Já existem fortes evidências e estudos a serem publicados em breve demonstram benefícios para casos selecionados de para metástase peritoneal de tumores malignos do cólon e reto e do câncer do ovário. Metástases peritoneais originárias de outros tumores malignos do aparelho digestivo, como estômago, devem ser tratados por esta técnica em casos de exceção e muito selecionados. A principal indicação para a realização da cirurgia citorredutora com quimioterapia intraperitoneal hipertérmica é a seleção criteriosa dos pacientes que se beneficiarão do método. Só serão candidatos os pacientes em condições clínicas e nutricionais satisfatórias (sem doenças graves ou desnutrição grave associadas), selecionados após criteriosa avaliação cardiológica visando aumentar as chances de sucesso do procedimento através da diminuição de complicações pós-operatórias graves. Para alguns tipos de tumores, como o câncer colorretal, a quantidade de doença presente da cavidade peritoneal é critério para indicação do tratamento devido ao prognóstico. Esta avaliação é realizada através do inventário cavidade abdominal e quantificação de um valor definido como Índice de Carcinomatose Peritoneal, exemplificado na tabela abaixo. Já para outros tumores como o pseudomixoma peritoneal e o câncer de ovário, o mais importante é a possibilidade de citorredução completa.



A realização deste procedimento requer equipe cirúrgica tecnicamente habilitada para cirurgias oncológicas de grande porte, com ressecção de várias vísceras acometidas pela doença, tanto na pelve como no andar superior do abdome. Também é indispensável a participação de equipe de anestesiologia e cuidados intensivos com treinamento específico para lidar com este tipo de procedimento e seus efeitos no pós-operatório. Os pacientes necessitam de cuidados pós-operatórios em unidade de tratamento intensivo e de suporte fisioterápico, nutricional e de enfermagem especializada em pacientes de alta complexidade com alterações fisiológicas após realização da HIPEC.

A principal vantagem destas técnicas diz respeito ao aumento da sobrevida em relação à abordagem clássica. Apesar de o benefício variar conforme a histologia (tipo) do tumor e com diversos parâmetros respeitantes à sua evolução, é claro o quanto a sobrevida dos pacientes aumenta com este tratamento.

Os cirurgiões da nossa equipe especializados no tratamento das metástases peritoneais estão frequentemente participando de eventos científicos sobre o tema como simpósios e congressos para acompanhar as evoluções das técnicas cirúrgicas, nos critérios de seleção de pacientes e da tecnologia utilizada para perfusão do quimioterápico. Fazemos parte do Comitê de Registros de Doença Peritoneal da America Latina (LARPD – Latin American Registry of Peritoneal Disease), associada à Peritoneal Surface Oncology Group International (PSOGI).



Confira o trabalho publicado pelo grupo:

ARTIGO_POT_01
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